Conferências sobre o Teatro
O teatro foi
sempre a minha vocação. Dei ao teatro muitas horas da minha vida.
Tenho um conceito de teatro de certa forma pessoal e resistente. O teatro é a
poesia que se levanta do livro e que se faz humana. E ao fazer isso, fala e
grita, chora e se desespera.
O teatro necessita que os personagens que
aparecem em cena levem um traje de poesia e ao mesmo tempo é preciso que se
vejam seus ossos, o sangue. Hão de ser tão humanos, tão horrorosamente trágicos
e ligados à vida e ao dia com uma tal força, que lhes mostrem as traições, que
se lhes apreciem os cheiros e que lhes saiam dos lábios toda a valentia de suas
palavras cheias de amor ou de asco.
O que não pode continuar é o que
hoje sobe aos palcos levados pela mão dos seus autores. São personagens ocos,
totalmente vazios, a quem só se pode ver através do colete um relógio parado,
um osso falso ou um cocô de gato, desses que se encontram por aí. Hoje, na
Espanha, a maioria dos autores e dos atores ocupam uma zona apenas
intermediária. Escreve-se no teatro para os camarotes e não para o poleiro.
Escrever para a plateia principal é a coisa mais triste do mundo.
O público que vai
assistir fica frustrado . E o público virgem, o público ingênuo, que é o povo,
não compreende por que se fala no teatro de problemas desprezados por ele nos
pátios da sua vizinhança. Em parte os atores têm culpa. Não é que sejam más pessoas,
mas ... “Ouça, Fulano, quero que você me faça uma comédia em que eu faça... eu
mesmo. Sim, sim: eu quero fazer isso e aquilo. Quero estrear uma roupa de
primavera. Adoraria ter vinte e três anos. Não se esqueça.” E, assim, não se
pode fazer teatro. Assim, o que se faz é perpetuar uma dama jovem através dos
tempos e um galã apesar da arteriosclerose. (...)
O teatro é um dos mais
expressivos e úteis instrumentos para a edificação de um país e o barômetro que
marca sua grandeza ou a sua decadência. Um teatro sensível e bem-orientado
(...) pode mudar em poucos anos a sensibilidade do povo; e um teatro
destroçado, no qual as patas substituem as asas, pode embrutecer e adormecer
uma nação inteira.
O teatro é uma escola
de pranto e riso e uma tribuna livre onde os homens podem colocar, em
evidência, morais velhas ou equivocadas e explicar com exemplos vivos normas
eternas do coração e do sentimento do homem.
Um povo que não ajuda e
não fomenta o seu teatro, se não está morto está moribundo; como o teatro que
não colhe a pulsação social, a pulsação histórica, o drama de suas gentes e a
cor genuína de sua paisagem e de seu espírito, com riso ou com lágrimas, não
tem o direito de chamar-se teatro. Não me refiro a ninguém nem quero machucar ninguém; não falo
da realidade viva, mas sim do problema levantado sem solução.
Escuto todos
os dias, queridos amigos, falar da crise do teatro e sempre penso que o mal não
está diante dos nossos olhos, mas sim no mais escuro de sua essência: não é um
mal de flor atual, ou seja, de obra, mas sim de profunda raiz, que é em suma,
um mal de organização. (...)
O teatro deve se impor
ao público e não o público ao teatro. Para isso, autores e atores devem
revestir-se, a custa de sangue, de grande autoridade, porque um público de
teatro é como as crianças nas escolas; adora o professor sério e austero que
exige e faz justiça e enche de agulhas cruéis as cadeiras em que se sentam os
professores tímidos e aduladores que não ensinam nem deixam ensinar.
Há necessidade
de fazer isso para o bem do teatro. Há que manter atitudes dignas. O contrário
seria matar as fantasias, a imaginação e a graça do teatro, que é sempre,
sempre uma arte. Arte acima de tudo. Arte nobilíssima. E vocês, queridos atores,
artistas acima de tudo. Artistas dos pés à cabeça, já que por amor e vocação
subiram ao mundo fingido e doloroso do palco. Artistas por ocupação e
preocupação,desde o teatro mais modesto ao mais importante se deve escrever a
palavra “Arte” em salas e camarins, porque senão vamos ter que pôr a palavra
“Comércio” ou alguma outra que não me atrevo a dizer. É trabalho, disciplina,
sacrifício e amor.
Não quero dar-lhes uma
lição porque me encontro em condição de recebê-la. Minhas palavras são ditadas
pelo entusiasmo e pela segurança. Não sou um iludido. Pensei muito e com
frieza, o que penso, e, como bom andaluz, possuo o segredo da frieza porque
tenho sangue antigo. Sei que não possui a verdade aquele que diz “hoje, hoje,
hoje”, com os olhos postos nas pequenas goelas da bilheteria, mas sim o que
serenamente olha lá longe a primeira luz na alvorada do campo e diz “amanhã,
amanhã, amanhã” e sente chegar a nova vida que se derrama
sobre o mundo.
(...) Sabe
outra coisa? Na arte não se deve nunca ficar quieto nem satisfeito. Há que ter
a coragem de quebrar a cabeça contra as coisas e a vida... A cabeçada... depois
a gente vê o que acontece... Já veremos onde está o caminho . Uma coisa que
também é primordial é respeitar os próprios instintos. O dia em que se deixa de
lutar contra seus instintos, esse dia em que se deixa de lutar contra seus
instintos, nesse dia aprendemos a viver.
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