terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Sobre o teatro cotidiano 3: a vida no palco


"Do que necessitamos de fato  é de uma arte que domine a natureza, necessitamos de uma realidade moldada pela arte e de uma arte natural".




"Não nos podemos esquecer de que somos filhos de uma era científica. A ciência e a arte têm, de comum, o fato de que ambas existem para simplificar a vida do homem: uma, ocupada com sua subsistência material e a outra, em proporcionar-lhe uma agradável diversão.Tal como a transformação da natureza, a transformação da sociedade é um ato de libertação. 

Cabe ao teatro de uma época científica transmitir o júbilo desta libertação".  






SOBRE O TEATRO COTIDIANO 2

“O AMOR é A ARTE  de criar algo com a juda da capacidade de outro.”
Bertholt Brecht





 Brecht criticava as disparidades sociais da época: "Quero fazer teatro com funções sociais bem definidas. O palco deve refletir a vida real. O público deve ser confrontado com o que se passa lá fora para refletir como gerir melhor a sua vida", dizia.


O Analfabeto Político

"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.

"Nada é impossível de Mudar "

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar." 

"Privatizado"

Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar. É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário. E agora não contente querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento, que só à humanidade pertence."

Os que lutam

"Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis."

Precisamos De Você.

Aprende - lê nos olhos, lê nos olhos - aprende a ler jornais, aprende: a verdade pensa com tua cabeça.
Faça perguntas sem medo não te convenças sozinho mas vejas com teus olhos. Se não descobriu por si na verdade não descobriu.
Confere tudo ponto por ponto - afinal você faz parte de tudo, também vai no barco, "aí pagar o pato, vai pegar no leme um dia.
Aponte o dedo, pergunta que é isso? Como foi parar aí? Por que? Você faz parte de tudo.
Aprende, não perde nada das discussões, do silêncio. Esteja sempre aprendendo por nós e por você.
Você não será ouvinte diante da discussão, não será cogumelo de sombras e bastidores, não será cenário para nossa ação.



Se os Tubarões Fossem Homens

Se os tubarões fossem homens, eles seriam mais gentís com os peixes pequenos. Se os tubarões fossem homens, eles fariam construir resistentes caixas do mar, para os peixes pequenos com todos os tipos de alimentos dentro, tanto vegetais, quanto animais. Eles cuidariam para que as caixas tivessem água sempre renovada e adotariam todas as providências sanitárias cabíveis se por exemplo um peixinho ferisse a barbatana, imediatamente ele faria uma atadura a fim de que não moressem antes do tempo. Para que os peixinhos não ficassem tristonhos, eles dariam cá e lá uma festa aquática, pois os peixes alegres tem gosto melhor que os tristonhos.
Naturalmente também haveria escolas nas grandes caixas, nessas aulas os peixinhos aprenderiam como nadar para a guela dos tubarões. Eles aprenderiam, por exemplo a usar a geografia, a fim de encontrar os grandes tubarões, deitados preguiçosamente por aí. Aula principal seria naturalmente a formação moral dos peixinhos. Eles seriam ensinados de que o ato mais grandioso e mais belo é o sacrifício alegre de um peixinho, e que todos eles deveriam acreditar nos tubarões, sobretudo quando esses dizem que velam pelo belo futuro dos peixinhos. Se encucaria nos peixinhos que esse futuro só estaria garantido se aprendessem a obediência. Antes de tudo os peixinhos deveriam guardar-se antes de qualquer inclinação baixa, materialista, egoísta e marxista. E denunciaria imediatamente os tubarões se qualquer deles manifestasse essas inclinações.
Se os tubarões fossem homens, eles naturalmente fariam guerra entre si a fim de conquistar caixas de peixes e peixinhos estrangeiros. As guerras seriam conduzidas pelos seus próprios peixinhos. Eles ensinariam os peixinhos que, entre os peixinhos e outros tubarões existem gigantescas diferenças. Eles anunciariam que os peixinhos são reconhecidamente mudos e calam nas mais diferentes línguas, sendo assim impossível que entendam um ao outro. Cada peixinho que na guerra matasse alguns peixinhos inimigos da outra língua silenciosos, seria condecorado com uma pequena ordem das algas e receberia o título de herói.
Se os tubarões fossem homens, haveria entre eles naturalmente também uma arte, haveria belos quadros, nos quais os dentes dos tubarões seriam pintados em vistosas cores e suas guelas seriam representadas como inocentes parques de recreio, nas quais se poderia brincar magnificamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam como os valorosos peixinhos nadam entusiasmados para as guelas dos tubarões. A música seria tão bela, tão bela, que os peixinhos sob seus acordes e a orquestra na frente, entrariam em massa para as guelas dos tubarões sonhadores e possuídos pelos mais agradáveis pensamentos. Também haveria uma religião ali.
Se os tubarões fossem homens, eles ensinariam essa religião. E só na barriga dos tubarões é que começaria verdadeiramente a vida. Ademais, se os tubarões fossem homens, também acabaria a igualdade que hoje existe entre os peixinhos, alguns deles obteriam cargos e seriam postos acima dos outros. Os que fossem um pouquinho maiores poderiam inclusive comer os menores, isso só seria agradável aos tubarões, pois eles mesmos obteriam assim mais constantemente maiores bocados para devorar. E os peixinhos maiores que deteriam os cargos valeriam pela ordem entre os peixinhos para que estes chegassem a ser, professores, oficiais, engenheiros da construção de caixas e assim por diante. Curto e grosso, só então haveria civilização no mar, se os tubarões fossem homens.


Aos que virão depois de nós
Eu vivo em tempos sombrios. Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça? Aquele que cruza tranqüilamente a rua já está então inacessível aos amigos que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver. Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado. (Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens! Mas como é que posso comer e beber, se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome? Se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede? Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.








Fonte: Antologia Poética de Bertolt Brecht









quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Sobre Paixão e Vocação


“Esta noite não falo como autor e nem como poeta; e nem como estudante sensível e conhecedor da vida do homem; mas como um ardente apaixonado pelo teatro. Creio sinceramente que o teatro não pode ser outra coisa que emoção e poesia, na palavra, na ação e no gesto. O teatro é um dos mais  expressivos e úteis instrumentos para a educação de um país e de um povo. 
Um teatro sensível e bem orientado em todos os seus ramos, desde a tragédia ao vaudeville pode mudar em poucos anos a sensibilidade de um povo. O teatro é uma escola de choro e de riso, uma tribuna livre onde os homens podem expor evidências morais, velhas ou equivocadas, e explicar com exemplos vivos normas internas  do coração e do sentimento da homem.

O teatro sempre foi minha vocação.
Dei ao teatro muitas horas de minha vida.
Tenho uma concepção de teatro de certa forma pessoal e resistente.
 O teatro é a poesia que se levanta do livro e que se faz humana
 E ao fazer-se  humana, fala, grita, chora, ri e se desespera.

O teatro necessita de que os personagens que aparecem em cena tenham roupagem de poesia  e deixem ao mesmo tempo, seus ossos e seu sangue. Os personagens tem de ser tão humanos, tão horrorosamente trágicos e ligados a vida, com uma força tal, que mostrem suas traições, que se apreciem suas dores, e que saia dos lábios  toda a valentia de suas palavras, cheias de amor e de ódio”.




(Federico Garcia Lorca - Palestra realizada em Madri
em fevereiro de 1935 antes da estréia de Yerma.).







"Arte de Paixão e Resistência"





Este é o Prólogo 

Tradução de Oscar Mendes 

Deixaria neste livro
toda minha alma.
Este livro que viu
as paisagens comigo
e viveu horas santas.

Que compaixão dos livros
que nos enchem as mãos
de rosas e de estrelas
e lentamente passam!

Que tristeza tão funda
é mirar os retábulos
de dores e de penas
que um coração levanta!

Ver passar os espectros
de vidas que se apagam,
ver o homem despido
em Pégaso sem asas.

Ver a vida e a morte,
a síntese do mundo,
que em espaços profundos
se miram e se abraçam.

Um livro de poemas
é o outono morto:
os versos são as folhas
negras em terras brancas,

e a voz que os lê
é o sopro do vento
que lhes mete nos peitos
— entranháveis distâncias. —

O poeta é uma árvore
com frutos de tristeza
e com folhas murchadas
de chorar o que ama.

O poeta é o médium
da Natureza-mãe
que explica sua grandeza
por meio das palavras.

O poeta compreende
todo o incompreensível,
e as coisas que se odeiam,
ele, amigas as chama.

Sabe ele que as veredas
são todas impossíveis
e por isso de noite
vai por elas com calma.

Nos livros seus de versos,
entre rosas de sangue,
vão passando as tristonhas
e eternas caravanas,

que fizeram ao poeta
quando chora nas tardes,
rodeado e cingido
por seus próprios fantasmas.

Poesia, amargura,
mel celeste que mana
de um favo invisível
que as almas fabricam.

Poesia, o impossível
feito possível. Harpa
que tem em vez de cordas
chamas e corações.

Poesia é a vida
que cruzamos com ânsia,
esperando o que leva
nossa barca sem rumo.

Livros doces de versos
são os astros que passam
pelo silêncio mudo
para o reino do Nada,
escrevendo no céu
as estrofes de prata.

Oh! que penas tão fundas
e nunca aliviadas,
as vozes dolorosas
que os poetas cantam!

Deixaria no livro
neste toda a minha alma...






















“ A arte tem que estar acima de tudo. E vocês, queridos atores, artistas acima de tudo, artistas dos pés a cabeça, posto que por amor e devoção é que vocês subiram ao mundo fingido e doloroso do palco, do teatro. Artistas por preocupação e ocupação. Desde o teatro mais modesto ao mais burguês, se deve escrever a palavra arte nas salas e camarins. Porque se não escreveremos comércio ou outra coisa que não me atrevo a dizer.Teatro é hierarquia, disciplina, sacrifício e amor”.













“Neste momento dramático do mundo o artista deve chorar e rir com o seu povo. É preciso deixar de lado o ramo das açucenas e enfiar-se na lama até a cintura para ajudar aos que procuram as açucenas. Particularmente, eu tenho uma ânsia verdadeira de me comunicar com os outros.Por isso bati às portas do teatro e ao teatro consagro toda minha vida”.











“As vezes quando vejo o que se passa no mundo, me pergunto:

- Para que escrevo?

Mas há que trabalhar, trabalhar. Trabalhar e ajudar ao que merece. Trabalhar ainda que, às vezes, pense que realiza um esforço inútil.Trabalhar como uma forma de protesto. Porque meu impulso seria gritar todos os dias ao despertar em um mundo cheio de injustiças e misérias de toda ordem:


- Protesto! Protesto !

Neste mundo eu sou e sempre serei partidário dos pobres. Eu sempre serei partidário dos que não tem nada e até a tranquilidade do nada se lhes nega.  

Nós - me refiro aos homens de significação intelectual e educados no ambiente médio das classes que podemos chamar de acomodadas – estamos chamados ao sacrifício, aceitemo-lo”.










Federico Garcia Lorca
(Junho de 1936)


"As Contradições Humanas"
















sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

POR UM PROJETO DE TRABALHO




O experimental como uma arte de muitas vozes e linguagens.





Uma ótima definição de experimental pode ser encontrada no dicionário de teatro de Luís Paulo Vasconcelos: “termo usado para definir todo tipo de experimentalismo parateatral derivado ou influenciado pelos movimentos de vanguarda dos anos 60 e 70, particularmente os de criação coletiva e do happening”.


No meu entendimento, experimentação em dança, em teatro tem a ver com a renovação dos sistemas tradicionais de ensino e treinamento do corpo cênico. Significa que ao contrário do teatro comercialna arte experimental os artistas gostam de correr riscos e quebrar paradigmas estéticos para criar. Experimentalismo não tem nenhuma relação com amadorismo. Arte experimental, de vanguarda, de pesquisa, de laboratório é o modelo de produção artística que almeja a criação de métodos próprios de trabalho e criação cênica. É uma postura de resistência dos artistas que não estão mais satisfeitos em reproduzir formas ou técnicas existentes.  Buscam uma atividade artística mais autoral e total. Um remanejamento no que diz respeito ao trabalho dos artistas atores, bailarinos e performáticos em relação á criação cênica.



Não podemos mais adaptar a interpretação ou criação a um só modelo ou estilo de representação. É preciso e necessário se arriscar experimentando, em experiências criativas que ainda não foram formuladas ou exploradas racionalmente, conscientemente. Que se faça necessário explorar e abusar de "exercícios cênicos" nos quais a espontaneidade, a improvisação, a intuição, a inspiração e o inconsciente sejam as ferramentas para a criação e liberdade artística. Faz-se necessário se investir em um repertório de representação ou criação capaz de estabelecer um diálogo mais eficaz com a época e tempo no qual vivemos. O terreno da experimentação permite a pesquisa e o envolvimento com o que ainda não existe,  a busca de uma verdade oculta que possa transformar o  acontecimento cênico, e que instiga o encenador a se arriscar na narrativa, na montagem, no uso de recursos técnicos e até no trabalho com os atores.


Qual o tipo de arte que quero fazer? Qual é o meu projeto artístico?

Não tenho nada contra os artistas que fazem teatro comercial e burguês, ou mesmo que só montam espetáculos baseados em peças de autores já consagrados. Prefiro trabalhar agora, experimentando, criando textos inéditos na sala de ensaios ou em colaboração com o elenco, buscar inspirações dramatúrgicas em cena, nas atuações dos atores e atrizes, na época em que vivemos e em seus acontecimentos sociais e históricos. Acredito que a dedicação á pesquisa pode estimular e incentivar  um coletivo de artistas a reinventarem a cena com suas experiências de vida, com o seu material já trabalhado na escola de teatro tornando o trabalho artístico mais autoral.


As respostas devem ser claras para definir o tipo de linguagem ou trabalho de pesquisa a desenvolver para evoluir e criar uma identidade no grupo.
Devo aceitar e seguir a tradição, a instituição e a exploração comercial que dita ás regras dos espetáculos a serem vistos para ter rentabilidade financeira, ou estarei disposta a abrir mão de lucros e criar um trabalho de maior engajamento com minha época e país, ser uma portadora de mensagens e signos de mudança. Reproduzir aceitando ás regras, ou inovar para crescer e conquistar o público com uma linguagem mais acessível, humana e democrática que, se apropria da realidade exterior e a transforma em experiências e vivências artísticas de crescimento para os artistas e para a platéia.

Na arte experimental, se cria um espaço mais abrangente entre os artistas e o seu público,   na medida em que eles deixam os palcos  dos teatros fechados, e  vão procurar novas plateias  ávidas por ver, sentir e experimentar novas  vivências pelas artes cênicas. Vivências estas que lhes  possibilitem  uma experiência mais  realista , o entendimento de um espetáculo que  dialogue de forma mais objetiva com nosso tempo. A arte não tem só que entreter e divertir. A arte tem que incitar a reflexão  e a mudança do que está estagnado e incomoda. Arte tem que propor revoluções.


E dentro deste contexto qual será o papel dos atores e atrizes neste projeto?