sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

POR UM PROJETO DE TRABALHO




O experimental como uma arte de muitas vozes e linguagens.





Uma ótima definição de experimental pode ser encontrada no dicionário de teatro de Luís Paulo Vasconcelos: “termo usado para definir todo tipo de experimentalismo parateatral derivado ou influenciado pelos movimentos de vanguarda dos anos 60 e 70, particularmente os de criação coletiva e do happening”.


No meu entendimento, experimentação em dança, em teatro tem a ver com a renovação dos sistemas tradicionais de ensino e treinamento do corpo cênico. Significa que ao contrário do teatro comercialna arte experimental os artistas gostam de correr riscos e quebrar paradigmas estéticos para criar. Experimentalismo não tem nenhuma relação com amadorismo. Arte experimental, de vanguarda, de pesquisa, de laboratório é o modelo de produção artística que almeja a criação de métodos próprios de trabalho e criação cênica. É uma postura de resistência dos artistas que não estão mais satisfeitos em reproduzir formas ou técnicas existentes.  Buscam uma atividade artística mais autoral e total. Um remanejamento no que diz respeito ao trabalho dos artistas atores, bailarinos e performáticos em relação á criação cênica.



Não podemos mais adaptar a interpretação ou criação a um só modelo ou estilo de representação. É preciso e necessário se arriscar experimentando, em experiências criativas que ainda não foram formuladas ou exploradas racionalmente, conscientemente. Que se faça necessário explorar e abusar de "exercícios cênicos" nos quais a espontaneidade, a improvisação, a intuição, a inspiração e o inconsciente sejam as ferramentas para a criação e liberdade artística. Faz-se necessário se investir em um repertório de representação ou criação capaz de estabelecer um diálogo mais eficaz com a época e tempo no qual vivemos. O terreno da experimentação permite a pesquisa e o envolvimento com o que ainda não existe,  a busca de uma verdade oculta que possa transformar o  acontecimento cênico, e que instiga o encenador a se arriscar na narrativa, na montagem, no uso de recursos técnicos e até no trabalho com os atores.


Qual o tipo de arte que quero fazer? Qual é o meu projeto artístico?

Não tenho nada contra os artistas que fazem teatro comercial e burguês, ou mesmo que só montam espetáculos baseados em peças de autores já consagrados. Prefiro trabalhar agora, experimentando, criando textos inéditos na sala de ensaios ou em colaboração com o elenco, buscar inspirações dramatúrgicas em cena, nas atuações dos atores e atrizes, na época em que vivemos e em seus acontecimentos sociais e históricos. Acredito que a dedicação á pesquisa pode estimular e incentivar  um coletivo de artistas a reinventarem a cena com suas experiências de vida, com o seu material já trabalhado na escola de teatro tornando o trabalho artístico mais autoral.


As respostas devem ser claras para definir o tipo de linguagem ou trabalho de pesquisa a desenvolver para evoluir e criar uma identidade no grupo.
Devo aceitar e seguir a tradição, a instituição e a exploração comercial que dita ás regras dos espetáculos a serem vistos para ter rentabilidade financeira, ou estarei disposta a abrir mão de lucros e criar um trabalho de maior engajamento com minha época e país, ser uma portadora de mensagens e signos de mudança. Reproduzir aceitando ás regras, ou inovar para crescer e conquistar o público com uma linguagem mais acessível, humana e democrática que, se apropria da realidade exterior e a transforma em experiências e vivências artísticas de crescimento para os artistas e para a platéia.

Na arte experimental, se cria um espaço mais abrangente entre os artistas e o seu público,   na medida em que eles deixam os palcos  dos teatros fechados, e  vão procurar novas plateias  ávidas por ver, sentir e experimentar novas  vivências pelas artes cênicas. Vivências estas que lhes  possibilitem  uma experiência mais  realista , o entendimento de um espetáculo que  dialogue de forma mais objetiva com nosso tempo. A arte não tem só que entreter e divertir. A arte tem que incitar a reflexão  e a mudança do que está estagnado e incomoda. Arte tem que propor revoluções.


E dentro deste contexto qual será o papel dos atores e atrizes neste projeto?













sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

ANTI-CONSELHO AOS JOVENS ATORES






O jovem ator tem que aprender que seu trabalho se dá num campo de insegurança total. Se tiver consciência crítica saberá lidar com isso. No nosso trabalho, ninguém vai feito um trem. Com o poeta, o escritor, ocorre o mesmo. Flaubert, a cada semana, cortava palavras, escrevia, reescrevia, refazia quarenta, cinqüenta linhas. O ator que chega no ensaio dizendo “Eu já sei”, esse ator se fodeu. Com o perdão da palavra. Cansei de ouvir isso: “Mas eu já decorei!”. Decorou o quê? Você vai decorar Teatro?
Tinha uma bilheteira do tempo do TBC, que quando telefonavam para fazer uma reserva, e perguntavam se o espetáculo estava indo bem, ela dizia: “Olha, já decoraram a peça”.
Tem muita escola de teatro que ajuda a difundir essa visão. São cursos que encantam não sei quantos jovens, iludidos, desgraçados, pagando aulas de Teatro. A cada ano, quantos alunos ditos “formados” saem dessas escolas? E o Sindicato faz questão de dar a carteira que confirma esse ponto de vista: você paga e é registrado como ator. Os donos de escola, esses canalhas atuais, que fazem do Teatro uma moldura de televisão, deveriam se envergonhar. Ensinam a falsa segurança de uma listagem de expressões fixas e comportamentos emocionais padronizados. Você sabia que na Itália, na época do fascismo, existia uma máquina fotográfica parecida com isso: você ia lá, fazia quarenta fotografias com expressões como dor, alegria, gozo etc.?
Contra esse imobilismo mentiroso, o teatro sério tem que reconquistar uma agressividade permanente. Para trabalhar com a vida real do Teatro, para vencer todos os obstáculos, culturais, políticos, e de sensibilidade, você tem que ser agressivo. Agressivo não significa matar ninguém, mas estar pronto para atacar uma idéia. A agressão pode ser uma coisa positiva.

O Teatro pede de você uma disponibilidade definitiva. Ele exige de você uma dedicação total. Nas minhas próximas almas, nos meus próximos amanheceres, estarei sempre disponível. Ou você é disponível ou não é. Disponibilidade significa que você tem que se entregar para uma luta financeira, técnica, que envolve a totalidade da sua vida. Existem propagandas dessas casas de comércio que vendem a idéia de uma dedicação total. Mas, dedicação total a quê? À compra e venda de mercadorias. Não a dedicação a uma idéia, a um ofício. Eu acho que o Teatro é uma Idéia, uma grande Idéia. Posso até me submeter a pequenas concessões para não me desviar dessa descoberta. Mas você não pode namorar vinte mulheres ao mesmo tempo porque, infelizmente, só tem um pau. O Teatro é exatamente igual ao amor, se você acredita nele, tudo bem. Por que eu estou fazendo teatro até hoje? O que eu trabalhei em teatro não é brincadeira, foi dos quinze anos em diante. Setenta anos de trabalho. É verdade: no bem, no mal, no êxito, no fracasso, no ganho, no deficit. Mas é Teatro o que eu tenho que fazer.
O Teatro é isto: você tem que ter a pachorra. É ruim o espetáculo? Uma porcaria? Ou você avaliou que é bom? Não, não é bom... porém você está lá? Então vai. Não é questão de paixão romântica, mas uma confirmação permanente de algo que faz viver. Não sei se estou certo, mas estou falando o que eu sinto.
Para mim, o Teatro é a grande aventura. Nela tomam parte os condutores dos povos, os Júlio César, os Coriolano, mas existem também os soldadinhos. E é entre esses trabalhadores que habitam as pequenas salas, esses jardins de catacumbas, que você pode encontrar realmente as descobertas. Porque Júlio César se formou, está pronto, está feito. É uma imagem acabada. São tristes os atores que se consideram modelos realizados. O sujeito faz oitenta anos, continua atuando em espetáculos, tem um técnica interpretativa fantástica (afinal são tantos anos de trabalho) mas o que sobra dele é a mediocridade humana, a sovinice permanente.
Um diretor francês do passado escreveu a uma jovem atriz: “Você começou agora, está tendo muito sucesso, seu trabalho é esplêndido, mas e quando seu rosto ficar envelhecido, como é que você vai fazer Julieta?” Esta pequena aula de duzentos anos atrás continua válida: então você vai continuar tentando segurar a idéia da Julieta enquanto seu rosto envelhece?
O ator é aquele que atravessa o processo de mudança. Porque o Teatro de hoje não é mais o Teatro de ontem. De que serve a grande técnica se a atriz ficou ressequida, se a vida sugou dela tudo de que ela precisava? É um jogo terrível: o Teatro é um fenômeno de crueldade definitiva, é um estupro permanente. E é preciso se pôr em movimento pela descoberta permanente, ter a avidez de aprender, de receber para poder devolver. O Teatro também é isso: dar e devolver, dar e devolver, dar e devolver, até o momento no qual os dois se juntam para fazer uma coisa só - que é o grande tema da vida.
Depois de um período de morte, de sono, de sonolência, o Teatro no Brasil parece que despertou. Está manifestando de forma muito mais categórica, mais violenta, mais agressiva, no bom sentido da palavra, uma presença dramatúrgica muito forte. Em grupos, como no caso dos seis que se reúnem para esse jornal, isso me parece muito evidente.
Importa não esquecer a pergunta do ponto de partida: o que te interessa dentro da Arte? Para mim, é a presença do homem. Buscar o ser humano. Têm pessoas cuja falta de humanidade não interessa mais.
Gianni Ratto é cenógrafo e diretor de teatro, de origem italiana.É um dos mais ativos e críticos trabalhadores do teatro brasileiro. Este depoimento foi dado a Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho
FONTE - JORNAL "O SARRAFO" Nº1 - março de 2003